quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Matando personagens...

A decisão narrativa de matar um personagem é sempre uma questão complexa, e como todo bom leitor já deve ter notado, nem sempre é feita da maneira certa: não são raras as mortes na ficção que ocorrem sem causar nenhum impacto, quase que completos non sequiturs narrativos - enquanto outras causam revolta pelo quão súbitas e impactantes acabam sendo.

A morte é uma ferramente dramática muito forte, uma das únicas certezas da vida, e uma questão lastimavelmente mal aproveitada nas histórias em quadrinhos - onde ninguém fica morto, exceto os pais do Batman e o tio Ben - e ainda menos em animação, onde o que é basicamente censura impede que qualquer um morra (embora tenha numerosos casos de "morto por outro nome", como petrificado, trancado em outra dimensão, em coma eterno, etc).

MORTE COMO DRAMA


Talvez a forma mais comum de se matar um personagem seja para gerar mais tensão e mais drama dentro do universo ficcional - Talvez os melhores exemplos sejam as múltiplas "mortes via história de origem", aqueles personagens conhecidos apenas em flashbacks, e que são mortos para definir o "porque" de outros. Gente como o Tio Ben - cuja morte motiva o Homem-Aranha -, Thomas e Martha Wayne, os pais do Batman, e o cientista Ho Yinsen, que motivou Tony Stark a virar o Homem de Ferro.

Porém não é apenas parar começar uma história que essas mortes dramáticas - e em geral mais aprofundadas - servem. Duas das mais belas e bem escritas cenas de morte das HQs estão em "Crise das Infinitas Terras": A morte de Kara Zor El, a Supergirl da Era de Prata, e a morte do segundo Flash, Barry Allen. Em ambos os casos, são personagens que dão tudo o de si para tentar salvar o mundo - Supergirl basicamente espancando o Anti-Monitor (e sendo a primeira a conseguir ferir o vilão) e o Flash sendo consumido por sua própria velocidade para destruir a bomba de anti-matéria do Anti-Monitor.


Outra cena de morte que cabe completamente como puro drama foi a morte da Tia May, no inicio dos anos 90, antes do fiasco da saga do clone: os últimos momentos da mulher que era muito mais uma mãe para Peter Parker, morrendo tranquilamente em seus braços, a aceitação da finitude da vida, o choro sincero  - tudo uma cena belíssima e bem escrita - e arruinada pelos editores: não bastasse a revelação estapafúrdia de que quem morreu era uma ATRIZ, ainda houve posteriormente o fiasco de "One More Day", onde ao contrário do que houve nos anos 90, Parker é completamente incapaz de aceitar (apesar dos pedidos de TODA a comunidade heroica, e da própria Tia May) que a hora dela chegou - e estraga toda a continuidade para evitar isso. O Aranha é um dos personagens com mais mortes desse tipo - todos devem lembrar da morte de Gwen Stacy, uma das maiores reviravoltas da industria de quadrinhos, certo?

Eu chorei ao ler isso, e depois a Marvel me enfureceu.

MORTE COMO CHOQUE


Outras vezes, a morte de um personagem vêm como uma forma de provocar choque tanto nos leitores quanto nos personagens - são aquelas mortes completamente inesperadas, e que muitas vezes parecem a primeira vista mal escritas. Essas vão desde afirmações políticas, como o assassinato do Capitão América no final da Guerra Civil (como uma metáfora nada sutil para a morte dos ideais americanos) até um lembrete de que qualquer um pode morrer - e as vezes não há nada que possa ser feito.
O sonho está morto.

Um ótimo exemplo é o episódio "O Corpo", de "Buffy, a Caça Vampiros": após lidar como um tumor no cérebro durante boa parte da 5ª temporada, a mãe da Buffy parece estar se recuperando bem - e aí ela simplesmente morre, vítima de um aneurisma. É completamente súbito e inesperado, e uma série onde a solução sempre era "encontre o monstro, bata nele", e onde personagens menores morriam TODOS os episódios, essa uma morte é extremamente impactante. Não é uma situação onde se pudesse fazer qualquer coisa, e não é um personagem desconhecido: Joyce era uma presença constante desde o primeiro episódio. E a sua morte gerou dois dos melhores diálogos da série como um todo.

"Mas eu não entendo! Eu não entendo como isso acontece. Como se passa por isso. Eu quero dizer, eu conhecia ela, e e aí ela é, só tem um corpo, e eu não entendo por que ela não pode simplesmente entrar de volta nele e não estar mais morta. É estúpido. É mortal e estúpido, e, o Xander está chorando e não está falando, e eu estava tomando ponche de frutas, e aí eu pensei, a Joyce nunca mais vai tomar ponche de frutas, e ela nunca mais vai comer ovos, ou bocejar, ou escovar o cabelo, nunca mais, e ninguém em explica porque!"

E

"Buffy - Dawn... eu estive... trabalhando. Eu estou ocupada por que eu preciso..." 
 "Dawn - Não, você está me evitando"
  "Eu não estou! Eu tenho que fazer essas coisas, por que quando eu paro... aí ela realmente se foi. E eu estou tentando, Dawn, eu realmente estou tentando cuidar das coisas. Mas eu nem sei o que eu estou fazendo! A mamãe sempre sabia. 
 "Ninguém lhe pediu para ser ela!"
 "E quem vai ser se eu não for?! Huh, Dawn, você pensou nisso? Quem vai fazer as coisas ficarem melhores? Quem vai cuidar da gente?" 
Um outro bom exemplo de morte como choque - embora uma que tenha sido desfeita pouco depois - é a morte do Mestre no final da terceira série de Doctor Who: embora pudesse, como qualquer Senhor do Tempo, regenerar, o Mestre escolhe morrer, ao invés de passar a eternidade junto com o Doutor - novamente condenando o Doutor a solidão, e eliminando a sua única esperança de não estar só no universo. Além de ferramenta dramática, dá um "soco" na cara do Doutor e dos espectadores, que não esperavam que fosse possível um Senhor do Tempo morrer tão facilmente.




MORTE COMERCIAL


E algumas vezes, a morte é só uma maneira de se vender mais quadrinhos... Quer exemplo melhor do que a morte do Super-Homem? Anunciado como O grande evento dos quadrinhos, "Death of Superman" no final das contas não passou de uma manobra publicitária (e que deveria ter sido vista a quilômetros de distância, afinal, quando que a DC mataria seu maior personagem?), para tentar vender quatro personagens novos (e horríveis). E a DC repetiu a dose com Batman R.I.P., que parecia uma trama boa, e parecia algo sério, com um novo Batman que fazia sentido - o Asa Noturna, Dick Grayson - mas no fim das contas foi só uma jogada para vender mais bat-títulos.

Esses babacas - e teve mais um.


Mas isso não ganha do massacre que foi "Transformers: The Motion Picture", que matou TODO o elenco original, com algumas pequenas exceções, para dar lugar a novos personagens - e novos brinquedos. O mesmo aconteceu na continuidade japonesa com "The Headmasters", que teve ainda menos dignidade ao eliminar o elenco antigo. Ou o "mega-evento" da Marvel, Massacre, que também matou TODO MUNDO, para abrir espaço para reboots - apagados no ano seguinte...




MORTES MAL APROVEITADAS/MATEM A LISTA C


Ele morreu? Mas eu nem sabia quem ele era!
E quando se quer gerar drama falso, sempre se tem aqueles personagens que ninguém liga. Matem alguns personagens, finjam que a coisa tá séria, só não matem ninguém importante: essa parece ser a norma por trás da maioria das mortes nas HQs e das que ocorrem na animação, enquanto em séries de TV as mortes costumam ser de personagens da semana. "Guerra Civil" tem 'bons' exemplos disso: embora o evento tenha matado vários supers com nome, e detido mais outros tantos, os únicos mortos "relevantes" foram o Capitão América e... O Capitão América. O resto dos falecidos foram da lista C para baixo, com "ilustres desconhecidos" como Trovoada, Homem de Cobalto, Escaravelho Dourado, Golias Negro (a única morte de impacto), Radical, e Alfabeto... Alguém liga para esses caras? Eu nem sei quem são 99% deles! Truque barato para atrair simpatia do público, e que raramente funciona.

NOT REALLY DEAD


E aí temos os casos em que um personagem não está morto, mas o efeito é essencialmente o mesmo: ele é retirado da história de forma permanente, ou quase permanente. Isso vai desde os inúmeros personagens "congelados" ou "petrificados" em quadrinhos e em desenhos animados, como forma de escapar dos limites da censura, até casos onde o não ter morrido serve para aumentar o drama.

Doctor Who traz um exemplo constante disso, nas regenerações do Doutor: embora o Doutor "ainda viva", o que ocorre na prática é que ele morre, e outro cara toma o seu lugar. Mas a série traz outros dois casos onde o não morrer é drama intencional: Rose Tyler, presa em outra realidade, longe do Doutor - que sabe que ela vive, mas nunca mais poderá vê-la (embora ela retorne na quarta temporada, apenas para ser isolada outra vez), e Donna Noble, que teve tudo o que ela passou junto com o Doutor apagado de sua mente, para salvar sua vida, mas na prática a Donna que acompanhou o Doutor está morta, e o que ficou é a Donna pré Doutor: mesquinha, fofoqueira e fútil.


Outro caso é a versão de Transformers Animated da Arcee - e que é um caso de morte por história de origem: mentalmente destruída pelo que passou nas mãos dos decepticons durante a grande guerra, quando é vista no presente, está trancada em um estado de fuga, do qual nunca sai. Todo o shipping entre ela e o Ratchet se torna ainda pior quando se nota isso - e que o pobre Ratchet sabe que ela nunca vai se recuperar. Não é a toa que ele é tão amargo - ou que ele dê tanto valor ao Omega Supreme, a única coisa que "sobrou" da Arcee - apenas para perder o Omega duas vezes.

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