terça-feira, 3 de abril de 2012

Crítica: Jogos Vorazes

Domingo eu fui ver Jogos Vorazes - em um daqueles raros casos que eu não acabo deixando para a última sessão e perdendo o filme, como quase me aconteceu com John Carter (que eu ainda estou devendo a crítica), e embora confesse que não tenha lido o livro inteiro, só pedaços, achei o filme excelente. Para uma obra que já começa com a difícil tarefa de jogar o espectador em um cenário totalmente diferente e com pouquíssima explicação, o filme é envolvente desde o princípio - e sem precisar de um protagonista "orelha", que não entende coisa alguma do mundo em que vive, só para que o espectador tenha explicações o tempo todo.


E na maior parte, o filme é uma sequência épica de socos na cara: não bastasse a premissa, um brutal "espetáculo" de adolescentes lutando até a morte, o filme faz questão de reforçar o tempo todo a brutal desigualdade social de Panem. O corte súbito do cenário de miséria que é o distrito 12 para as "gloriosas" aeronaves e o esbanjamento de luxo que é praticamente tudo na capital é chocante - e repugnante. O senso estético hedonista e decadente da capital também é impactante, e eu juro que vou ter pesadelos com aquelas pessoas bizarras.

bizarro como o presidente de uma
sociedade "camp" parece normal...
Certo que o filme sofre um bocado com "jitter cam" - usada aqui muito bem para aumentar a tensão durante os jogos, e não para causar náusea como nas mãos dos senhores Michael Bay e J.J. Abrahams, por exemplo  - mas visualmente é fantástico. O ar esplendoroso da capital só reforça a sensação de opressão em tudo a respeito de Panem, enquanto os distritos, pelo pouco que é mostrado deles (12 e 11) são claramente miseráveis. A sensação é algo como a visão de condomínios de luxo ao lado de favelas: a marca clara de algo muito errado, e do domínio absurdo dos 1% sobre os 99%. O próprio discurso por traz dos jogos também remete a guerra de classe: o controle não é pelo medo, mas pela falsa esperança de que o vencedor possa "subir na vida".

Algumas pessoas reclamaram da violência no filme - não do excesso, mas dela ser subduzida. Aqui eu me pergunto: você tem uma elite corrupta e decadente ao extremo, que no auge da sua estupidez (porque só esse adjetivo pode descrever a capital: estúpida) força crianças a matarem umas as outras na arena. Por diversão e controle político. A violência maior está aí. Se o filme não mostrasse uma única gota de sangue, ainda seria um dos filmes mais violentos dos últimos anos. Pensem comigo: o que é a violência maior,as crianças se matando, ou o sistema que as obriga a isso?

Por dispensar a narrativa em primeira pessoa, o filme até consegue desenvolver melhor alguns personagens, mal explorados no livro - justamente pelo livro acompanhar somente a visão da Katniss. E não se enganem, as atuações, em sua maioria, estão muito melhores do que eu esperava. Jenniffer Lawrence está ótima como Katniss, Donald Sutherland está apropriadamente "escroto" como o presidente Snow, Stanley Tucci rouba todas as cenas em que aparece (mas seria impossível não roubar com um personagem tão camp quanto Flickerman), e Lenny Kravitz também rouba todas as cenas como o estilista Cinna. O único ponto "fraco" são justamente as crianças - tirando a adorável Amandla Stenberg (Rue), nenhuma tem muito tempo de cena, e a maioria não tem sequer nomes. Uma pena.

Agora quanto a parte ruim, e que não é no filme em si.... Já devem ter percebido que eu adoro falar de NERD RAGE, e esse filme passou por três casos em particular... Primeiro, o racismo de alguns "fãs" que deram chiliques porque alguns personagens foram interpretados por negros - sendo que em dois casos (Thresh e Rue), os personagens eram implicitamente negros no livro, e a autora, Susanne Collins, já falou várias vezes que sim, eles são negros. O outro, Cinna, é "ambiguamente marrom" no livro - e ficou ótimo na atuação de Kravitz. O segundo caso, de ignorância mor, foram jornalistas dizendo que Jennifer Lawrence era "gorda demais" e "atraente demais" para o papel principal. E o terceiro é o meu favorito: os fanboys de Battle Royale chamando o filme de plágio. Como se ambos não fizessem parte de uma longa tradição em FC de histórias de arena distópicas - que inclui obras como Running Man, Death Race, The Long Walk, os três primeiros capítulos de Planet of the Damned, só para citar algumas - e não tivessem influências culturais muito diferentes. Para não mencionar o fato de que francamente, Hunger Games é superior a Battle Royale em roteiro, atuação, cenografia, figurino, e até na violência - justamente por evitar o explícito e apelar para o subentendido, assim como pela falta de um mecanismo óbvio para forçar a violência. Assistam, e tirem suas conclusões.

4 comentários:

  1. Eu curti a adaptação do filme, confesso que só li o primeiro da trilogia, mas sem dúvida tenho que cair matando nos outros dois. e aqui entre nós, Nerd Rage é só falta de sexo, isso tem remédio, graças a Deus eles não precisam morrer disso!!!

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  2. Não assisti ainda, mas é uma boa pedida...

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  3. Não conheço o filme, mas a crítica foi apelativa e bem estruturada, isto para além de eu ter gostado do trailer. Este filme não passou nas salas aqui de Portugal, pelo menos não reparei! Deve sair só para o circuito de DVD, penso eu...

    Abraço

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  4. Não assisti nem tinha botado fé ainda. Mas começo a perceber que quase havia deixado escapar um bom entreterimento nos cinemas! Valeu demais, fortaleza da neditude!

    Grande abraço.

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