quinta-feira, 19 de julho de 2012

Crítica: Die Sterne Stehen Richtig


Uma das minhas acquisições na Alemanha, quando passei por lá em 2010, Die Sterne Stehen Richtig  (As estrelas estão corretas), da Pegasus Spiele, e lançado em inglês pela Steve Jackson Games é um joguinho bem diferente. Com arte de François "Goomi" Launet, do ótimo Unspeakable Vault (of Doom), e design de Klaus WesterhoffDSSR é composto por 75 cartas, representando várias criaturas dos "mitos de cthulhu", e 25 marcadores de estrela, que compõe "o céu noturno".

A ordem do jogo é simplíssima : 1. Compre cartas até ter 5. 2. (opcional) descarte uma carta para mudar o céu noturno. 3(opcional) use uma carta da mesa para alterar o efeito do descarte 4.(opcional) baixe uma carta. 5(opcional) descarte todas as criaturas sacrificadas para baixar um grande antigo.



canto direito : ações via descarte. Canto esquerdo da ilustração : valor em pontos. Base da ilustração : "constelação" necessária para baixar. Base da carta : Mudança nas ações.
Na base de cada carta, há uma série de icones, em uma formação especifica, que precisa estar visivel no céu para que aquela carta possa ser colocada na mesa. E ao lado das cartas, setas que indicam as ações que você pode fazer com o céu ao descarta-la. As três ações são "trocar", "empurrar" e "virar". trocar muda dois marcadores adjacentes de lugar. Empurrar move toda uma coluna ou linha, fazendo com que a primeira estrela seja a última, e todas "subam" igualmente. Virar muda qual face do marcador está visivel.

As cartas que já foram baixadas adicionam mais um elemento estratégico. Virando uma carta, pode se mudar o efeito, como tornar uma "empurrada" em três, ou uma virada em uma troca. Cada carta tem no canto um valor em pontos, que são ganhos ao baixar ela. O jogo termina quando alguém faz 10 pontos. É simples, sem muitas regras, poucas cartas tem efeitos especiais, e as que tem são coisas como "troque um servidor seu com um de outro jogador" ou "descarte sua mão e compre seis cartas". Deveria ser rápido, mas é comum que o jogo fique "travado" em uma situação em que ninguém pode baixar nada.

Die Sterne Stehen Richtig pode ser encomendado pela internet, ou comprado em lojas alemãs, onde custa cerca de 15 euros. A edição americana custa 27.95 dólares, valendo muito mais pegar o jogo em Alemão - se ainda encontrar. Pretendo mais uma vez tentar jogar isso em breve - com sorte, talvez eu finalmente ganhe.

Crítica: Dominions 3


Dominions 3 é, em uma palavra, confuso. Embora seja um jogo que eu adore, não posso deixar de pensar que é complicado demais. E antiquado demais. A série Dominions tenta recapturar aquela sensação dos jogos de estratégia dos velhos tempos, como os da extinta SSI (Panzer General, Fantasy General, alguém lembra?). Eram jogos complexos, que exigiam uma quantidade imensa de micro gerenciamento, que deixou de ser possível nos jogos em tempo real.

Em Dominions, o objetivo é simples : na pele de um "deus impostor", derrotar todos os outros deuses impostores do mapa e se tornar o único e verdadeiro deus. Não há diplomacia, não há comércio com os outros jogadores, é você contra todo mundo. Algo que não se vê muito em jogos atuais. Em alguns é até mais viável ganhar pela diplomacia! (GalCiv, estou olhando para você!)


Já começando o jogo, tem um monte de opções, a primeira barreira que pode afastar os novatos. Primeiro : Não há modo campanha, e não há tutorial. O jogo vêm com um manual de 300 páginas, melhor ler ele primeiro, já que o jogo não explica coisa alguma. Segundo : após escolher o mapa, tem que se escolher a Era.. Como assim, escolher a Era?! Explico : Dominions é dividido em três Eras (early, middle e late, falta de criatividade nos nomes? Na verdade, não). Essas eras não são como as eras do Age of Empires, que se passam durante o jogo. A escolha delas é só na criação do jogo, e vai decidir as civilizações, as unidades, magias, e deuses impostores disponíveis. Aí vem as civilizações, e o número de jogadores... CINQUENTA CIVILIZAÇÕES, cada uma com uma versão diferente para cada era, e dotadas de uma variedade incrível... vai desde um "não império romano" até a cidade submersa de R'lyeh, do escritor H.P. Lovecraft. A última etapa pra se começar o jogo, é criar os deuses impostores, e sim, Cthulhu pode estar nesse jogo, uma das formas para um deus de R'lyeh é o grande antigo em pessoa, e outra é Nyarlathotep! Já aqui, temos um monte de variáveis que nem o manual explica direito. Dá pra escolher a forma do deus, as capacidades mágicas, a maneira como ele afeta o mundo, e quanto tempo ele vai levar para despertar... e todas essas características influenciam um monte no jogo.

O mapa estratégico, no meio de um jogo loongoo
E falando em afetar o jogo, o sistema inteiro é estupidamente cheio de variáveis, tanto que a única maneira de tornar os combates viáveis foi fazer com que o comando das tropas fosse indireto, atrávez de "ordens gerais". Apenas no mapa estratégico, a parte de gerenciamento, temos : Taxas, Patrulhamento, Fé, Caos/Ordem, Temperatura, Vitalidade/Poluição, Recursos, Ouro, Fortalezas, Templos, Mana (seis tipos), e os inúmeros tipos diferentes de unidades (mais de 1500 no jogo todo), cada uma com habilidades especiais que podem ou não afetar o mapa estratégico. Fora as magias (+ de 600), Itens mágicos (+ de 300), e lugares especiais (sei lá quantos tem), que podem bagunçar muito o andar do jogo. No final das contas, o jogo acaba sendo tão complexo, que nem a máquina é capaz de lembrar de tudo que pode ser feito, e a AI do jogo sofre com isso, fazendo imensos exércitos de unidades básicas por não lembrar de fazer heróis que possam fazer fortalezas, por exemplos. Nota : não é que a AI esquece de fazer FORTALEZAS, mas sim dos heróis que podem faze-las.
Pena que toda essa descrição é perdida num jogo sem história.

 O combate tático então, tem tantas regrinhas, que como dito acima, não pode ser compreendido pelo jogador, que pode no máximo determinar "comportamento geral" e ver o combate andar. Por causa das regras caóticas, alguns combates tem resultados absurdos, como um deus impostor tombar para um Blood Slave (a unidade mais fraca do jogo inteiro), ou um único cavaleiro derrotar 300 devoradores de mentes, simplesmente por ter sorte nos "dados". E olha que isso são só coisas que eu VI, não sei se alguém passou por algo pior jogando.

Dominions conta com um cenário rico, com ótimas descrições, que infelizmente é perdido em um jogo cuja história é literalmente apenas uma desculpa pro quebra pau. Daria um ótimo cenário de rpg, embora seja uma "salada de frutas", com elementos vindos de tudo quanto é canto.

Como podem ver, não é um jogo bonito.

Agora, saindo de jogabilidade, e indo pra parte menos interessante. Dominions é um jogo pesado e feio. embora rode em qualquer máquina hoje em dia, e tenha um visual de jogo de MS DOS, exige toda a atençao da máquina justamente por causa de todas essas variáveis malucas. Mesmo quando se opta por não ver um combate, com o tempo o jogo fica lerdo, e pode ser bom se restringir a mapas pequenos, a não ser que sua máquina seja muito boa. O que é uma pena, já que ele parece ter sido feito para pcs mais antigos.

Dominions pode ser encomendado direto do fabricante, que disponibiliza ele por download ou em forma física. O jogo custa 57,95 dólares. A Shrapnel é uma empresa pequena, e surpreende uma equipe pequena e com poucos recursos lançar um jogo tão complexo,  e que ganhou vários prêmios em 2006, quando foi lançado. Quem estiver interessado em jogar, posso marcar um jogo via e-mail, já que os turnos demoram mais do que ver tinta secar.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Temo que Man of Steel destrua a essência do Super Homem

Bem, mais um poster de Man of Steel foi divulgado na San Diego Comic-Con (que eu to cobrindo com atraso), e minhas impressões ruins sobre a roupa do Super homem no filme de Zack Snyder não foram alteradas. Focando apenas no peito do Homem-de-Aço, esse poster me deixou uma sensação... não sei, opressiva, com todo o detalhe de "escamas" da roupa, e seus tons escuros. A impressão inicial definitivamente não é "esse é o peito de um herói". Não ajuda que a roupa parece mais "azul quase preto com bordô" do que azul e vermelho.

Se o poster e as imagens que já foram divulgadas do filme forem um indicador do "tom" de Man of Steel, lamento que isso indique que o filme será - ao menos como adaptação - um completo fracasso. Tudo parece estar voltado para um filme sombrio e talvez até cínico, indicando que o projeto está seguindo na direção que a Warner quer: mais parecido com a trilogia do Batman dirigida pelo Christopher Nolan.



E não me levem a mal: os filmes do Nolan são excelentes, mas isso é porque o Cavaleiro das Trevas se empresta bem para esse tom mais "pesado", coisa que o Super Homem definitivamente não faz. Batman é um exemplo cabal de anti-herói, enquanto o Super Homem é para ser o ícone, o paragono, o ideal: não é um personagem que tem lugar em seu mito para ser "moralmente ambíguo" ou "sombrio", e tentar forçar essas coisas nele é descartar a essência do herói.

Talvez eu esteja entre a minoria que gosta do Super Homem como um ideal, e que não deseja uma tentativa de torna-lo "badass" ou "polêmico". No começo desta semana, o site Av club publicou um artigo de Todd Van Der Weff em defesa do "escoteiro" da DC. No meu ver, o que Man of Steel deveria fazer é ressaltar o papel do Super Homem como um ideal, algo a ser almejado. Sim, ele é "certinho demais" e "perfeito demais". Mas isso é porque como mito, seu papel é sempre nos lembrar de que nós podemos e devemos ser mais. Torna-lo "sombrio" e "ambíguo" acaba totalmente com sua natureza.

Man of Steel pode até ser um filme bom - e não duvido que o seja - mas se o material até agora demonstrado for um indicativo, não será um bom filme do Super Homem. O que eu espero é algo como o Capitão América: O Primeiro Vingador - que estabeleceu o personagem de Steve Rogers brilhantemente em uma fala: "eu não quero matar ninguém, só não gosto de valentões, não importa de que lado". Um lembrete de fazer a coisa certa, e não o que apenas parece certo. De certa maneira, se O Batman é o herói que Gotham - e talvez o mundo, com todas as suas falhas, absurdos e podres - merece, o Super Homem é o herói que o mundo precisa. Alguém melhor, alguém ideal. E que Snyder não destrua isso, por favor.

Dark Knight Rises receberá PlayArts Kai? OH BOY!

Enquanto a linha "principal" de brinquedos do Dark Knight Rises parece ser uma das piores já lançadas - repetindo e ampliando todos os erros da linha do Lanterna Verde, com acessórios desconexos, articulação quase inexistente e mais de nove mil Batmans -, os fãs do morcego tem uma boa notícia no stand da Square Enix da San Diego Comic Con: os protótipos para os lançamentos da linha PlayArts Kai do Batman e do Bane, junto com o "lembrete" de que a Mulher Gato está em desenvolvimento.

Por ora são apenas protótipos, e a empresa fez questão de frisar que ainda aguarda a confirmação da Warner para o lançamento. Mas já é confortante ver que o filme vai ter algum colecionável digo de apreciação, ao invés dos fiascos lançados pela Mattel. Por ora, o boneco do Batman deve vir acompanhado de alguns apetrechos, como batrangues e a arma de gancho, enquanto o Bane não foi demonstrado com nenhum acessório.

Resta ainda ver como os bonecos vão ficar prontos, pois os modelos exibidos na Comic Con ainda estão sem cores, e certamente estão sujeitos a mudanças antes do lançamento, mas os sculpts estão fantásticos, e a menos que sejam feitos cortes extremos - coisa rara na linha PlayArts Kai - o resultado não deve decepcionar. Estou no aguardo!



domingo, 15 de julho de 2012

Crítica: Duna (1984)

Como todo mundo já deve ter notado, o fato de um livro ser bom não infere automaticamente que as adaptações também o serão, e a ficção científica tem o maior registro de "adaptações cagadas" dentre todos os gêneros literários. (Eu, Robô? Starship Troopers? Dagon? A Sound of Thunder? Alguém?). Enquanto escrevo, Roland Emmerich - o rei do filme catástrofe - está preparando a certamente desastrosa adaptação aos cinemas da trilogia Fundação, e correm as filmagens do polêmico Ender's Game (que francamente espero que não seja mutilado pela adaptação). 

 Mas não estou aqui para falar do "geral", e sim de um caso muito lamentável: a adaptação pífia de Duna pelo produtor italiano Dino deLaurentis e o diretor cult David Lynch Alan Smithee, em 1984. E este não é um dos casos em que a falha está na falta de fidelidade: Se qualquer coisa, Duna tenta ao máximo ser fiel ao épico de Frank Herbert. O problema é justamente este: tentar comprimir um livro grande e muito complicado em um único filme - e sem introduzir o velho "como você sabe" para explicar elementos de cenário que no livro são dados na narração ou no glossário.


Em si, Duna não é um filme ruim: só é confuso e longo demais no caso das versões estendidas, e comprimido demais no corte original. Também é de maneira alguma um filme bom. Talvez a definição correta seja dolorosamente falho. A versão mais "completa" do filme se arrasta por duas horas e 54 minutos - o grande problema? As primeiras duas horas mal conseguem cobrir o primeiro terço do livro, forçando todo o resto a ser "espremido" em apenas uma hora de filme. E devido a complexidade do universo de Duna, o filme é constantemente interrompido por narrações para tentar explicar certas coisas, sem muito sucesso. 

Se qualquer coisa, Duna é a prova de que excesso de fidelidade é um problema tão grande quanto excesso de liberdades criativas - não apenas está preso a narrativa do livro de uma maneira até opressiva, mas em um sinal de falta de capacidade para adaptações, David Lynch Smithee parece atado a própria forma do livro. Cenas inteiras parecem copiadas linha a linha do livro, e a narração constante não é apenas maçante, mas também totalmente desnecessária. A abertura do filme gasta dez minutos para estabelecer o que é dito em apenas dois minutos do primeiro diálogo da trama. Junte isso a narrações do que está acontecendo, pensamentos óbvios dos personagens, flashbacks desnecessários, e o que se tem não é linguagem própria de cinema. Uma das poucas cenas em que foi tomada liberdade de adicionar coisas "fora do livro" é estranha demais para palavras. Digamos apenas que envolve um gato amarrado num rato, e fiquemos por isso.

O que é isso? Um navegador de terceiro estágio. O que é
um navegador de terceiro estágio? LEIA O LIVRO (e descubra
que não existem "estágios")
O universo de Duna é intricado, complexo e muito bem definido nos livros - enquanto isso, o filme não dá explicações de quase nada, e quando as dá, são incompletas, e oferecidas na sempre tediosa narração. Não há nenhuma explicação no filme do que é "normal" ou o que não é para o cenário, do que são Mentats ou Bene Gesserit, qual é a dos navegadores, ou a importância da especiaria ou sua ligação com os vermes, fora uma narração que existe apenas nas versões estendidas, e no caso da especiaria, uma conversa no começo do filme. 

E como um amigo meu colocou de maneira muito eloquente, Duna é a prova de que um elenco de atores bons não infere em um filme bom. Nomes como Patrick Stewart, Max von Sydow e Linda Hunt não fazem nada para salvar o desastre moroso que é a obra de David Lynch Alan Smithee, e a atuação oscilante de Kyle Maclachlan (no papel principal) junto com a canastrice constante de todos os Harkonnen - especialmente do músico Sting como Feyd Rautha - retira qualquer benefício ganho com o resto do elenco. Para não mencionar casos como Freddie Jones "murmurando" metade das suas falas, ou a decepção maior que é Patrick Stewart berrando constantemente.
Outras, é tudo azul e cinza.

As vezes é tudo marrom.
Nem visualmente Duna se justifica, com "defeitos especiais" - os escudos são o melhor exemplo, em uma cena até sobrepostos a parte errada do enquadramento - projeções de fundo mal feitas, cenários "pintados" e mais de uma vez usando de pinturas no lugar de algum enquadramento real. Uma pena, pois os conceitos por trás dos cenários e dos figurinos são bons, sobras de uma tentativa frustrada de levar Duna as telas, com arte do genial H.R. Giger, mas o resultado... Particularmente gritante são todas as cenas envolvendo os vermes da areia: quando é apenas o verme em cena, fica até bem, mas quando envolve qualquer outra coisa, o resultado é horrendo. A falta de contraste não faz nada para melhorar a situação, e mais de uma cena envolve caras vestidos de preto e marrom num fundo marrom atirando em caras vestidos de preto e marrom num fundo marrom - e reaproveitando as mesmas poucas cenas. 

Em suma: Duna consegue ser pior do que a Minissérie do Sci-Fi Channel, produzida em 2001.  E é simplesmente algo vergonhoso ser superado pelo atual SyFy. Com base em um clássico do gênero, um diretor de renome, e vários atores bons, Duna tinha tudo para ser um sucesso, mas resultou em um construto megalomaníaco, tedioso e incompreensível - tudo o que não poderia ser. 




quinta-feira, 12 de julho de 2012

Preconceito: Nerds e Misoginia

Não deve ser novidade para a maioria de vocês a infeliz abundância de comentários e atitudes preconceituosas, excludentes e intolerantes dentro do meio nerd. Desde o desdém exagerado pelos fãs de certas obras literárias, séries, jogos ou filmes, até formas mais "mainstream" de preconceito, como coletivo os nerds são notórios pelo preconceito. E de forma até contraditória, vendo que esse é um grupo que é frequentemente discriminado.

Mas nenhuma forma de preconceito é mais palpável entre os nerds do que a "boa" e velha misoginia. E depois se perguntam o porque de tão poucas "garotas nerds". Desde coisas pequenas como o desdém aberto a qualquer "gamer chick" e a ideia de que uma mulher não pode ser nerd se for minimamente sociável, até o abuso do conceito de estupro, o linguajar nerd acaba transbordando de ódio pelo sexo feminino.

Expressões como "Tits or GTFO", "Go make me a Sandwich" e "Back to the Kitchen" não são "piadas inocentes", assim como a abundância de personagens femininas que se resumem a "peitos e bundas ambulantes" ou "um macho com tetas" não é de forma alguma inclusiva. Estupro e outras formas de violência sexual são tratadas com banalidade. E na hora dos insultos? Quando o interlocutor é homem, o mais comum é se atacar a capacidade intelectual, ou a masculinidade (em si já um problema). Mas quando se trata de uma mulher? O ataque padrão é acusar de ser "uma vadia".

Para que não achem que estou inventando coisas, tenho abaixo três casos importantes - apenas alguns dentre tantos milhares diariamente. Devido ao meu "sumiço", nenhum desses casos é exatamente recente, mas são todos emblemáticos - e não tão extremos quanto possam parecer.


Primeiro, um caso que a maioria já deve estar bem familiarizado: A não tão súbita demissão de Noah Antwiler/ TheSpoonyOne do Channel Awesome/ThatGuyWithTheGlassses. Embora o caso em si tenha apenas sido deflagrado pelo notório sexismo do Spoony, com a piada de extremo mal gosto acima, dirigida a uma colega de trabalho, Hope Chapman, o que me levanta este caso neste sentido é a reação da fanbase do reviewer. 

Spoony foi demitido/se demitiu após um verdadeiro piti no Twitter, como resposta a um artigo da também integrante do Channel Awesome, Obscurus Lupa (Allison Pregler). A reação do Spoony em si já foi péssima: xingando a tudo e a todos, e acusando Pregler de ser uma "vadia". Mas a fanbase dele foi pior: segundo alguns fãs no forum SpaceBattles, isso foi parte de um plano maléfico dela junto a ex-namorada do Spoony, Scarlet, e a diretora de RH do CA, Holly, para se livrar dele "porque é isso que vadias fazem quando os homens estão longe". Desnecessário notar: As três receberam ameaças de estupro, e Holly foi acusada de "prestar favores sexuais" ao fundador do CA, Doug Walker, porque "essa é única coisa para a qual vocês prestam". Mas os caras que falaram essas coisas juram de pés juntos que não são sexistas!

E embora Spoony tenha o seu site próprio, que não foi afetado em nada pela demissão, e garanta que a "vagabunda" não tenha nada a ver com a demissão dele, fãs do colherento continuam a atacar Pregler. Me surpreende que Chapman não tenha sido bombardeada com insultos e ameaças de estupro. 


O segundo caso - e no meu ver mais gritante - foi o da blogueira Anita Sarkeesian, do site Feminist Frequency:  depois de iniciar um kickstarter para a produção de uma série de documentários da série Tropes vs Women, analisando certos clichês e figuras narrativas comuns, desta vez em videogames, Sarkeesian se viu alvo de um bombardeio constante.

Ameaças de estupro via e-mail, via telefone, até via correio - páginas vandalizadas, comentários ofensivos diariamente, e tudo isso não como resposta ao que ela disse, mas porque ela iria falar sobre sexismo dentro da indústria de games. Não foram poucos os comentários, posts e vídeos - alguns bem longos - afirmando categoricamente que ela não tinha nada a falar porque "games não eram lugar pra mulheres" e que ela não passava de uma "sapata vagabunda".

A mensagem desses ataques é bem clara: mulheres, fiquem caladas, aceitem que para a indústria vocês são só pedaços de carne, e se quiserem se expressar, que o façam num cosplay borderline erótico. Nada de opiniões ou querer respeito!

Felizmente, esse caso específico não ficou perdido apenas em meio a comunidade nerd, e foi coberto pesadamente por colunistas e blogueiros de vários setores da mídia. Além disso, o ataque constante foi "positivamente não produtivo": além de Sarkeesian não se acovardar perante a investida machista contra ela, mas o ataque atraiu publicidade e apoio ao projeto, e o que seria uma série pequena por apenas U$ 5,000, agora arrecadou mais de U$ 150 mil.


O caso final é este cara: o britânico James "Grim" Desborough, um autor de livros de RPG que recentemente publicou um artigo intitulado "Em defesa do estupro". Embora não seja algo tão ruim quanto o título faz parecer, ainda é uma defesa feroz da ideia de que "mais jogos precisam envolver estupro" e que "estupro é um elemento de trama fantástico" que precisa "deixar de ser visto como algo ruim".

Ninguém ficou muito impressionado com o artigo de Desborough, e a usuária do fórum da RPG.Net, MalaDicta tentou organizar uma petição para que as editoras deixassem de publicar o material do inglês. E foi ai que a bomba de fato explodiu.

A maior parte dos usuários da RPG.net estavam de acordo com boicotar Desborough, e concordavam que boa parte do material do dito-cujo era absurdo - entre eles, um jogo de cartas em que o objetivo é cometer mais estupros, e um suplemento de D&D com centenas de magias e itens mágicos voltados para facilitar, adivinhem só... estupros!

Porém, para alguns, e para uma horda de fãs do "macabro", quem reclamou precisava "crescer espinha" e "estupro não era nada demais". O resultado deve estar bem claro por essa hora: MalaDicta foi alvo de ameaças de estupro via e-mail, no telefone do trabalho, na casa dos pais, e até pelos correios, e após uma amiga dela ter sido quase violentada, decidiu retirar a petição, para que os ataques parassem - e não pararam.

A pior parte é que Desborough saiu dessa história até o momento querendo fazer o papel de vítima, alegando não ser nada misógino - só vítima de um bando de "vagabundas sem espinha" que não entendem como estupro é legal e precisamos de mais rpgs sobre isso!

A questão é que isso não é legal, de maneira alguma. E da mesma maneira, não é algo que se trate, como alguns dos fanboys do Spoony, do Desborough, e alguns dos agressores da Anita Sarkeesian sugeriram, algo que "se leve na brincadeira". Ainda mais quando são pessoas que ao mesmo tempo que dizem que "não há misoginia na web" e "os homens sim é que são discriminados", ameaçam estuprar repetidas vezes uma blogueira por dizer o que ela pensa.

Se alguém quiser dividir suas histórias sobre misoginia, ou quiser fazer aquilo que já espero: me atacar, sinta se a vontade.