sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Os Robôs e a Guerra.

Algum tempo atrás eu falei de dois dos gêneros que se mesclaram à malha dos robôs gigantes. Primeiro, da relação entre o gênero e o horror, e depois de sua estranha e prolífica relação com a literatura aristocrática da virada do século XIX para o XX. Agora, mais uma vez, abordo a questão para trazer aquele que é um dos dois grandes gêneros de robôs gigantes: o drama de guerra.


A velha guarda
Como já falei nos dois textos anteriores, o gênero primordial de “mecha”, o “super robô” tem ligações profundas com super heróis. A grande diferença entre a ficção notoriamente japonesa e o seu inspirador (exarcebadamente americano) é que onde os super heróis focam nos feitos prodigiosos de uma pessoa, o instrumento para o heroísmo nos “super robôs” é, obviamente, o robô. Não que isso faça de seus pilotos e controladores menos “super”: a literatura e filmografia do tipo está cheia de jovens audazes e destemidos, super humanos, escolhidos dos deuses, herdeiros de civilizações perdidas e gênios da super ciência - a mesma matéria prima de super heróis.


Mas não é sobre essa vertente que esse texto trata. Enquanto os super heróis sempre fizeram parte do gênero, uma outra forma literária se emaranhou na ficção de robôs gigantes no final da década de 70: o drama de guerra. Sua introdução ao cânone dos “mechas” se dá com Mobile Suit Gundam, o magnum opus de Yoshiyuki Tomino, em 1979 - uma obra que redefiniu os animes e mangás de robôs gigantes até hoje.


Zambot 3: as consequências do "salvador de
aço" em primeiro plano. 
Tomino já havia iniciado a sua “desconstrução” do robô gigante com Zambot 3, em 1976, ao mostrar aquilo que outras séries ignoravam: as consequências das ações do super robô e o impacto dos seus inimigos para além da vida dos protagonistas. Mas Gundam mudava o jogo completamente. O cenário não era mais uma guerra “do bem contra o mal”, mas uma guerra pura e simples, entre os “nazistas espaciais” do Principado de Zeon, e o governo fascista da Federação Terrestre (o caráter fascista da federação é subentendido na série original e deixado claro em obras subsequentes), iniciada como uma guerra de independência.

O robô gigante do título não era mais fruto de superciência, mas um protótipo resultante de uma pesquisa desesperada para acompanhar o desenvolvimento bélico inimigo. Amuro Rei, seu protagonista não era mais um jovem “destemido” e “valoroso”, mas um rapaz jogado por um encontro desafortunado em meio as chamas de um conflito do qual não queria fazer parte. Iam-se os super cientistas e os oficiais benevolentes, entrava a politicagem de uma guerra sem sentido. Desaparecia o heroísmo e seus sacrifícios e surgia a perda de vidas desnecessária e trágica. A cena dali para frente mudaria para sempre.


Antecedentes na literatura


Guerra dos Mundos: os primeiros robôs gigantes como armas
O robô gigante como elemento narrativo na verdade nasce nesse tipo de história (ignorando-se alguns precedentes ambíguos na mitologia) com o romance Guerra dos Mundos, de H.G. Wells, em 1897. Embora se distanciem do humanóide e do “ideal salvador” que marca o gênero, os tripods marcianos trazem todas as características marcantes da vertente apelidada por alguns de “Real Robot”: são máquinas de guerra gigantescas, em uma aproximação da forma de seus criadores, parte central do esforço de guerra. Os Tripods servem apenas como antagonistas, no entanto não há uma máquina equivalente humana para eles.


As Powered Armors de Tropas estelares: nublando
a divisão entre Infantaria e Tanques.
Mas a manifestação mais “reconhecível” deles na literatura ocidental se dá em duas obras “seminais” - ambas inspirações para o Gundam de Tomino. Em Galactic Patrol, de E.E. “Doc” Smith (a obra fundadora da “ópera espacial”, de 1937) e no restante da série Lensman, há a recorrência dos “trajes de combate”, grandes armaduras robotizadas para combate no espaço. Essa forma de “robô gigante” foi melhor definida e codificada por Robert A. Heinlein em seu Tropas Estelares (1957 - um ano após o surgimento dos super robôs, com Tetsujin 28). A ficção militar de Heinlein se centrava em um recruta da “infantaria móvel”, uma divisão militar equipada com “”powered armors”, nublando a linha entre blindados e infantaria.


Tropas Estelares trazia muitos dos mesmos temas que Gundam - as políticas de uma guerra, responsabilidade civil, o impacto na vida dos soldados, perda de inocência e o lugar dos jovens na guerra.  Porém, as duas obras traziam mentalidades completamente distintas sobre o serviço militar. Heinlein via na militarização um dever cívico (e Tropas Estelares em particular lida com acusações de fascismo). Em sua obra, apenas os militares gozavam de cidadania plena, a ideia de “direitos civis” é considerada absurda, e o pacifismo é considerado “fraqueza”.


Amuro: uma criança na linha de frente. 
Já Tomino via a guerra como um processo desumanizante e uma imposição custosa (e que tragicamente se fazia necessária), e lamentava o envolvimento de jovens no campo de batalha - um dos primeiros diálogos da série expressava o horror de Tem Rei ao notar que um dos oficiais a bordo da White Base tinha apenas 19 anos - e o questionava se era verdade que haviam garotos ainda mais novos no campo de batalha.

Ambas as obras usavam de alegorias: Gundam questionava a santidade dos aliados na segunda guerra mundial, sem reduzir sua condenação ao Eixo, ao mesmo tempo que ressaltava a responsabilidade dos líderes nos horrores da guerra. Tropas Estelares, por sua vez, usava dos Insetos como uma alegoria para a “ameaça comunista” e ressaltava a importância de uma resposta armada contra o “inimigo”. Onde Gundam humanizava os combatentes, Tropas Estelares os desumanizava, pintando como “justa” e “merecida” a morte dos inimigos.


O novo paradigma.


Com Gundam, Tomino reinventava o gênero de Robôs gigantes, e a década de oitenta se abriu com uma enxurrada de tentativas de copiar ou de suplantar Gundam, um movimento que foi popularmente chamado de “Real Robot”. Esse mesmo movimento modificou a dinâmica dos "Super Robôs". Deste braço “bélico” das histórias de Mecha, é possível delinear três grandes vertentes, com base em seu foco.


Primeiro, temos Gundam, focado no drama daqueles na linha de frente. Essa vertente é que a traz de forma mais clara um ranço remanescente dos super robôs - o próprio Gundam era um super protótipo, Amuro Rei era um newtype dotado de poderes especiais, Zeon contava com super armas cada vez mais ridículas, e o peso de um único homem pode mudar a corrente da batalha. Encarnações futuras da franquia levaram esses traços de super robô ainda mais longe, e a presença de máquinas únicas e fantásticas para personagens importantes, soldados que existem apenas para explodir em grandes números, e super protótipos que garantirão a vitória para quem se apoderar deles.



0080: "Não faça essa coisa legal".
Gundam trazia também um foco considerável na covardia da guerra, nas maneiras em que políticos e empresarios sujavam as mãos dos jovens com sangue sem colocarem a si mesmos em risco. A capacidade da franquia de abordar esses temas varia conforme a série: Zeta Gundam foi enfática em demonstrar como empresas bélicas lucram com todos os lados de um conflito. 00 Gundam abordou o quão fácil é para o idealismo servir de ferramenta para a política. 0080 ressaltou o quão ilusória é a emoção da guerra ante os custos, e G no Reconguista lidou com a fé como instrumento de controle durante a guerra. Por outro lado, Gundam Wing e Gundam SEED Destiny tentaram discutir pacifismo e aristocracia com resultados cômicos.


Os créditos de Climax U.C.: uma homenagem a continuidade original de Gundam


A linha “Gundam” de séries de robôs gigantes é também a mais claramente focada em mercadoria - não sem motivo: a série só foi possível graças ao patrocínio em peso da então gigante dos brinquedos POPY, e suas continuações dependeram do auxílio financeiro da Bandai, que através de Gundam se tornou o principal nome em brinquedos no país. Hoje, mais da metade dos lucros da empresa vem da franquia Gundam.


A segunda vertente, iniciada com Super Dimension Fortress Macross, em 1982, de Shoji Kawamori, trouxe um foco humano muito maior, com uma grande ênfase em romances. Pode ser dita como a vertente “novelística” dos robôs gigantes (não que o gênero não fosse melodramático desde o princípio). Situada no conflito entre a humanidade (que recém iniciou sua jornada rumo às estrelas) e os Zentradi (em guerra contra a misteriosa “Protocultura”), o foco da série original de Macross é o triangulo amoroso do piloto Hikaru Ichijo, a operadora de sistemas Misa Hayase e a cantora Lynn Minmei. Em segundo plano, estava o relacionamento improvável entre o “ás” humano Maximillian F. Jenius e a às Zentradi Milia Fallyna.


Macross teve suas múltiplas continuações e derivados, da mesma forma que Gundam, e o tempo só exarcebou as características que separavam Macross de Gundam. Da série que surgiu como uma paródia de Uchuu Senkan Yamato, surgiu um “império” de séries de robôs gigantes centradas em triangulos amorosos, música como arma, e trilhas de mísseis. Muitas trilhas de mísseis.




A terceira grande vertente (em termos de popularidade, não de cronologia) surge em 1981, com Taiyou no Kiba Dougram, de Ryosuke Takahashi. Centrada na rebelião colonial no planeta Deloyer, a série de 75 episódios se inspirou no filme italiano La battaglia di Algieri para contar uma história política sobre os horrores do colonialismo. O protagonista, Crinn Cashim, era o filho do governador planetário. Após um aparente golpe de estado, o rapaz se junta a rebelião em busca de independência da Federeção Terrestre. A série é marcada por intrigas e traições desde o primeiro episódio.  

Enquanto o foco de Macross e Gundam era o drama humano de seus personagens, Dougram primava pelo foco na estratégia e na política. Não havia espaço para ases intrépidos ou super protótipos: a única “vantagem” da máquina do título era ser o primeiro Combat Armor desenvolvido especificamente para lutar no ambiente inóspito de Deloyer. Dougram não marcou a animação tanto quanto Macross e Gundam; Takahashi abordonou os mesmos temas em Sokou Kihei Votoms, em 1983, e Aoki Ryusei Layzner, em 1985, ambas com um foco mais individual. Enquanto Dougram era uma série “realista”, Votoms conta com um protagonista digno de filmes de ação americanos, Chirico Cuvie, capaz de derrotar centenas de inimigos sozinho. Já Layzner conta com um robô beirando o super, o supracitado Layzner.


Votoms: o realismo ante um super soldado.
Mas a influência de Dougram se deu em jogos: a maioria dos jogos de Mecha bebem do estilo narrativo e tático de Dougram. O clássico Wargame americano Battletech tem muito do estilo de combate metódico e pesado de Dougram (com uma estética chupinhada tanto de Dougram quanto de Macross). Heavy Gear, da Dream Pod 9, vai além, copiando a própria trama de Votoms (e a identidade visual) como plano de fundo para um cenário de RPG. Armored Core e Front Mission tratam suas máquinas com a mesma frieza e realismo que Dougram - e sua política com a mesma sujeira que o clássico de Takahashi.

Da guerra para outras coisas

Essas três vertentes respingaram no resto do gênero, no entanto, principalmente nos anos 80. As equipes de super robôs se militarizaram, os pilotos não eram mais voluntários intrépidos (em seu lugar entravam recrutas relutantes, “ases” cabeça quente e jovens alistados contra sua vontade). A política por trás dos robôs e seu desenvolvimento assumia tons escusos, e o gênero nunca mais seria o mesmo: Mesmo com a “reconstrução” dos super robôs com Gao Gai Gar em 1997,  a maneira de se pensar as narrativas de robôs gigantes e a ligação destes com a política estaria para sempre alterada.

Dancouga: a hierarquia militar, em uma série de Super Robôs.
A influência de Gundam no gênero é palpável nos comandos militares de séries como Tekkaman Blade (tecnicamente, um Henshin Hero), Dancouga (que desconstrói a ideia do "ás heróico de sangue quente" dentro de uma estrutura hierarquizada e como parte de uma equipe) e Gunbuster. Da mesma maneira, essa influência é visível em quão mais fragilizados os pilotos de robôs gigantes se tornaram após o impacto de Gundam. Amuro Rei, embora ainda trouxesse traços de um piloto de super robô, era um jovem temperamental jogado em uma guerra na qual não tinha interesse. Em seu rastro surgiram personagens "fora do seu lugar" como Noriko Takaya, de Gunbuster, Kaine Wakaba, de Dragonar, e o auge desse tipo de personagem, Ikari Shinji, de Evangelion. Em grande parte, encontraram seu caminho, a seu jeito.
Dragon's Heaven: uma fabula e um
experimento visual
Dessa militarização do gênero - e mais importante, do abandono dos elementos mais "heróicos", viriam outras coisas:
Mamoru Ohshii levaria os robôs gigantes para o contexto policial com Patlabor. O próprio Yoshiyuuki Tomino, partindo de Gundam, levou o gênero ao extremo do esoterismo com a sombria série Ideon, e novamente com a fracassada Brain Powerd. Bebendo do estilo visual de Moebius, Makoto Kobayashi fez uma fábula pós apocalíptica com Dragon's Heaven. Mais recentemente, o designer Shinji Aramaki abordou o tópico da corrupção e da segurança privada com Viper's Creed. O feito mais importante de Gundam, Macross e Dougram não estava em suas maneiras distintas de mostrar a guerra: estava em sua capacidade de mostrar que os robôs gigantes podiam ser muito mais do que super heróis de dezenas de metros de altura. E hoje temos, como resultado disso, de robôs surfistas a robôs jogadores de basquete. De máquinas de construção no futuro distante à armas de uma guerra esquecida. E tudo começou em um encontro fortuito entre um jovem e uma máquina de guerra.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Go-bots: os OUTROS robôs transformáveis dos anos 80.

Alguns Go-bot comuns.
Existe uma linha de brinquedos da qual eu pessoalmente tenho que falar. Uma linha que marcou e definiu o mercado de brinquedos dos anos 80. Uma linha que trazia duas raças de robôs de um planeta morto, trazendo sua guerra milenar para o planeta terra, disfarçando-se entre os veículos terrestres.

Falo é claro de Transformers O Desafio dos Go-Bots, da Tonka. Em termos de premissa, era exatamente a mesma coisa que o seu concorrente mais bem sucedido. Curiosamente, a linha, que reaproveitava moldes de Machine Robo Cronos, da POPY, uma subsidiária da Bandai, foi lançada alguns meses antes de Transformers (embora a ficção de Transformers e o desenho antecedessem a ficção de Go-bots).

Go-Bots é uma das linhas mais injustiçadas da história dos brinquedos. Sim, eles são uase a mesma coisa que Transformers, e sim, eles são menores e mais simples. Mas o grau de ódio desferido contra os Go-bots não tem igual nesse planeta. Qualquer discussão sobre o tema, e nerds revoltados começam a falar como se os coitados fossem a segunda vinda da peste.

O Desenho

Nossos heróis. 
A trama era basicamente a mesma dos seus concorrentes: o planeta Cybetron Gobotron se encontrava destruído após milênios de guerra incessante entre os malignos Decepticons Renegados e os heróicos Autobots Guardiões. Exilados de seu mundo natal, os Transformers Go-Bots traziam sua guerra para a Terra, disfarçando-se entre os veículos locais. Enquanto os Renegados e seu líder Cy-Kill visavam dominar o planeta, os Guardiões comandados por Líder-Um protegiam a humanidade. Nada muito criativo - e não é como se o concorrente fosse um primor de originalidade. Outras linhas a época usavam a mesma premissa (nenhuma de forma tão descarada quanto Dinozaucers, que lamentavelmente não teve brinquedos exceto bizarramente no Brasil).

Transhumanismo: O cérebro orgânico de Crasher. 
Mas haviam diferenças notáveis. Enquanto os Transformers eram de fato formas de vida mecânicas, os Go-Bots eram os últimos remanescentes de uma civilização orgânica, devastada pela guerra. Milênios antes de sua chegada na Terra, após um desastre natural que ameaçou destruir o planeta, milhares de “Gobings” tiveram seus cérebros transplantados para corpos mecânicos pelo misterioso “Último engenheiro”, a última esperança de sua civilização. Infelizmente, essa tragédia serviu apenas como uma linha solta na história de origem - enquanto Go-bots trazia elementos de transhumanismo em sua narrativa, esses elementos eram puramente decorativos.

Embora a linha sofresse da mesma “síndrome de smurfette” que muitas séries da época (e até hoje), com uma representação mínima de personagens femininas, Go-bots lidou com esse aspecto melhor do que Transformers. Enquanto na série da Hasbro personagens femininas só apareceriam em seu segundo ano*, Go-bots contava com mulheres desde o princípio. Isso incluía a segunda em comando dos Renegados, a maníaca Crasher, e a batedora dos guardiões, Small Foot.

E punhos que soltam lasers. 
A série foi produzida pela Hannah Barbera, e contava com uma animação tão oscilante quanto a média da época: ora a animação era razoável, ora era sofrível. Mas ao contrário das produções da Rankin Bass e da Sunbow, o método era o clássico da Hannah Barbera: animações recicladas, fundos em loop, efeitos sonoros como substituto para animação de fato...* Continuidade era inexistente, como era o padrão nos anos 80. Como os brinquedos não tinham acessórios, os robôs disparavam lasers dos punhos. A série durou apenas dois anos, cancelada após 65 episódios - uma única temporada de sindicação.







Os brinquedos
Jeeper Creeper, um Go-Bot normal.
Lançados em 1983, os bonecos de Go-bots eram consideravelmente mais simples que a parte famosa de sua contraparte da Hasbro. De tamanho similar aos minibots de Transformers, a linha original contava com mais partes em metal e transformações mais complexas do que Transformers do mesmo tamanho - mas eram muito limitados em comparação com os bonecos maiores da concorrência - com os quais eram inevitavelmente comparados.

Cy Kill, outro go-bot básico. 
Articulação era quase inexistente - normalmente restrita aos braços - e os moldes contavam com poucos detalhes. Como era padrão na época, detalhe tecnológico era dado primariamente por adesivos e aplicações de tinta, parecendo muito mais com “o painel do peito do Darth Vader” do que partes robóticas. Há de se lembrar que a comparação justa dos Go-bots não é com os bonecos maiores de Transformers, mas sim com os minibots. Derivados da linha 600 de Machine Robo (assim chamada porque cada boneco custava 600 ienes), os Go-bots originais eram bonecos econômicos e simples, mas que não pecavam em termos de forma de veículo.

Monsterous, um combiner Go-bot.
Em alguns aspectos, os Gobots eram superiores aos seus concorrentes mais bem sucedidos. Enquanto os combiners e vários bonecos maiores de transformers precisavam de peças separadas para formar a cabeça, os punhos e os pés, conjuntos como Puzzler e Monsterous (Devil Satan Six, no Japão) tinham todas as partes embutidas. A dupla de combiners Grungy e Courageous, por sua vez, serviam como veículos para os bonecos menores.  Se por um lado os Go-bots careciam em acessórios, por outro havia maior integração entre eles.

Bug Bite, um Super Go-bot. E não,
não é um plágio do Bumblebee:
ele saiu no japão em 1983. 
O segundo ano da linha viu o lançamento de alguns bonecos maiores, para competir justamente com os Transformers, os Super Go-Bots. Alguns destes eram moldes novos, como Spay-C, Raizor, Baron von Joy e Bug Bite,com mais detalhes, articulações e transformações mais complexas do que os bonecos menores. Outros eram versões aumentadas em plástico dos bonecos menores - o que os faziam parecer piores em comparação com o restante dos "super go-bots".
A linha também contou com figuras centradas em gimmicks: Os Go-bot Launchers eram duplas de plataforma e veículo voador que se combinavam em um robô só (derivados de outra sublinha de Machine Robo). Ro-Gun era uma arma de espoleta. Os Boomers disparavam bolas. Water Pistol era uma pistola de água. O centro de comando dos Guardiões era em si um robô (e um veículo). Como qualquer linha, teve sua dose de figuras promocionais.


E Transformers jamais lançou algo tão
Glorioso quanto Tux.
Go-bots fazia um uso muito mais intenso e muito mais envolvido das partes do veículo. Várias figuras tinham vestígios de membros, alguns bonecos tinham parabrisas inteiros servindo como a cabeça, e a maioria das transformações tinham apenas três ou quatro passos.A filosofia de design da linha era mais perceptível nos Super Go-Bots. Essa aparente preguiça é resultado de uma mentalidade totalmente diferente dos Transformers, e que demonstra a engenhosidade dos designers da POPY.
Destroyer, o melhor representante da
filosofia de design de Go-bots.

Enquanto a linha da Takara e da Hasbro buscava um robô que virava um veículo, Go-bots pensava diferente: eram veículos que viravam robôs, e isso resultava na estranheza visual da linha, sintetizada em um único design: Destroyer, um tanque renegado que usava a torre do canhão como a cabeça do robô. É fácil desmerecer os Gobots como sendo "preguiçosos" e "substitutos baratos para transformers", mas a linha tinha uma mentalidade diferente, e enquanto a Hasbro bebia de múltiplas linhas de brinquedos pra criar o seu catalogo, a Tonka contava apenas com Machine Robo, o que deu coesão visual para Go-bots.


Alguns moldes de Go-bots foram lançados no Brasil pela Glasslite sob o nome de Mutante. Vários destes foram lançados em cores diferentes das originais (como ocorreu com muitos brinquedos à época), e a linha depois foi assumida pela Mimo, hoje uma gigante do ramo de bonecos “Jumbo”.

Houveram também oito model kits de Go-bots, com designs radicalmente diferentes da linha normal. Produzidos pela Monogram, dois dos kits (Líder Um e Cy-kill) eram reaproveitados de modelos para o anime Genesis Climber Mospeada, lançado nos EUA como parte de Robotech, junto com Macross e Southern Cross. Os kits eram completamente transformáveis e melhor articulados que os bonecos normais, mas não pareciam em nada com suas versões animadas. Os outros seis kits eram menos detalhados e menos articulados que os bonecos normais de seus personagens.

Os modelos pequenos eram disformes.

A batalha dos Rock Lords.

Em 1986, a Tonka e a Hannah-Barbera tentaram injetar nova vida nos Go-Bots com uma linha nova e um filme, A Batalha dos Rock Lords. O filme introduzia novos personagens, os heróicos Rock Lords liderados por Boulder e os malignos Rock Lords liderados por Magmar. Junto aos dois grupos estavam Jewel Lords, que viravam pedras preciosas, e Fossil Lords (você advinhou: fósseis).

A tentativa fracassou duplamente. O filme era essencialmente um episódio longo de Go-Bots com uma história insignificante e um monte de “encheção de linguiça” para estender a duração. Para piorar, a animação mostrava os heróicos Rock Lords sendo derrotados repetidas vezes e precisando da ajuda dos brinquedos velhos para “salvar o dia”, o que não fez muito para convencer as crianças de que aqueles eram bonecos “legais”. Grande parte do sucesso de uma linha de brinquedos está nos personagens, e quando a linha nova depende da velha para se safar...

Mas a proposta dos bonecos em si foi seu maior problema. Enquanto Transformers começava sua decadência com Headmasters, He-man entrava na era mais insana de sua coleção, os G.I. Joes entravam no reino da ficção científica e o mercado se entupia de linhas das mais variadas, os Rock Lords eram bonecos semi articulados que viravam... pedras. Reaproveitados da linha Ganseki Chojin, os Rock Lords eram maiores e mais detalhados que os Go-Bots, e contavam com acessórios, veículos e animais (os “Narlies”). Mas isso era pouco para compensar o fato de que eles viravam pedras.

A parte lamentável disso é que os Rock Lords contavam com um grau de complexidade que se fazia ausente nas duas linhas (Transformers e Go-bots). Várias figuras contavam com todas as articulações "essenciais" (ombros, cotovelos, joelhos e quadris), mas tudo isso servia para uma... Pedra. Ainda é melhor do que os Infaceables, no entanto (um dia vocês verão o horror que são os Infaceables). 

O fim dos Go-bots

Em 1991, a Hasbro adquiriu a Tonka, e com a acquisição os Go-bots desapareceram “de vez”. A linha já havia sido cancelada em 1987, após o fracasso do filme dos Rock Lords. Como os moldes pertenciam a Bandai, Go-bots se tornou uma linha insustentável: por um lado os nomes e a ficção pertenciam a Hasbro, por outro os designs eram da Bandai.

Isso não impediu a Hasbro de reaproveitar os nomes em linhas de Transformers, começando com Transformers Go-Bots em 1995 - uma linha de bonecos menores em escala 1:64 para concorrer com os carros de Hot Wheels e Matchbox. Em 2002, o nome serviu para uma linha de Transformers voltada para crianças menores, Playskool Go-Bots. Mas a absorção de Go-Bots por Transformers se completou em 2004, com o lançamento do pack G1 Go-bots pela Takara, um conjunto de redecos dos minibots de Transformers como personagens de Go-bots, que após um cataclisma dimensional viajaram para a realidade de Transformers. Com esse lançamento, o antes principal competidor virava parte do multiverso de Transformers.

Infelizmente, a Hasbro não demonstrou nenhum interesse em fazer novos designs para os personagens de Go-bots, e embora a Bandai tenha mantido a linha Machine Robo viva, não houve qualquer tentativa de atualizar os moldes velhos. Alguns deles foram relançados na linha Machine Robo Rescue, em 2003 - com pouquíssimas mudanças, como braços mais detalhados e pinos para combinação com os robôs menores da linha. Hoje, a linha vive como Machine Robo Mugenbine, um misto de brinquedo de construção e robôs transformáveis.

Mugenbine tem um potencial criativo imenso - se você
tiver dezenas de sets para usar. 


**apesar da intenção de Bob Budiansky de incluir mulheres cybertronianas desde o início



**Transformers, por sua vez, contava com animação terceirizada para a Toei, que re-terceirizou para outros estúdios,  e roteiros ainda mais tolos que os de Go-bots. A animação podia ser as vezes melhor, mas não significa que algum dos desenhos fosse menos ruim que o outro.