quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Das pranchetas as Prateleiras

Como todo bom colecionador deve saber, e poucos leigos imaginam, o processo de criação de brinquedos não é nada simples. Seja um daqueles bonequinhos de Star Wars com cinco pontos de articulação, um conjunto de LEGO com centenas de pecinhas ou um pônei de plástico, há toda uma cadeia de artistas, engenheiros e designers por trás de cada item nas prateleiras das lojas. Vamos conhecer um pouco do passo a passo que transforma ideias em produtos tangíveis, que tal?


Conceitualização


Conceito da linha Play with this too.
Tudo começa em uma ideia, não é? O primeiro passo para a criação de brinquedos novos está na conceitualização do que será o brinquedo. Dependendo da empresa, isso pode ser um processo burocrático baseado em grupos de foco e licenças (vide: fabricação de brinquedos para filmes), ou pode ser o resultado de uma visão artística original (Onell Design, por exemplo). O conceito geral pode ser expresso também em uma arte conceitual, mas essa normalmente é para fins publicitários (como a peça ao lado) e não para o design em si. Nesse ponto é decidido o que o brinquedo será (como por exemplo, “robô que vira prédio”; “jogador de futebol americano que virou soldado”, ‘Batmóvel que vira Batbarco”), e disso o trabalho é passado para a equipe de design, que vai tratar de transformar aquele punhado de ideias em uma...


Arte Conceitual


Conceito de Mel Birnkrant para "Pets of Frankenstein'"
Posteriormente reaproveitado para Aaaah Monstros.
fonte: Bogleech.com
Quando digo “uma”, quero dizer “várias”. A Arte conceitual é o primeiro passo “concreto” para a produção de um brinquedo, e muitos não passam desse estágio. Detalhes “práticos” como a maneira de funcionamento de gimmicks, o posicionamento das juntas e outras coisas funcionais ainda não são explorados em profundidade nesse passo. No entanto, o trabalho de design já inclui sugestões de como realizar as ideias decididas anteriormente - e em alguns casos, o produto final pode ser extrapolado diretamente da arte conceitual, sem que sejam necessários mais passos de design. Especialmente quando não há uma engenharia muito complexa envolvida.


Não raro, a arte conceitual é produzida por artistas contratados, e não por designers de brinquedos. A Revell contratou o ilustrador Wayne Barlowe para conceitualizar a linha Power Lords; o clássico Centurions surgiu de artes de Jack Kirby, coisa que ocorreu também com a linha Superpowers, e o quadrinhista Todd McFarlane foi responsável pelo boom dos brinquedos “maduros” no final dos anos 90.


Exemplo de arte conceitual que não levou a nada: "Skywarpatron".
O último estágio da arte conceitual envolve definir uma palheta de cores para a produção, e vários esboços de todos os ângulos, o que vai auxiliar a equipe de design a transformar essa arte em algo tridimensional.


Concretizando a arte conceitual


Peças impressas em 3d na Hasbro - Gizmodo.com
A primeira etapa da concretização é improviso puro: testes e “experimentos” são feitos usando peças de outros brinquedos, até chegar a versão “ideal”. Estes Mockups visam apenas pensar em meios práticos de traduzir o conceito, e não visam a produção - embora partes do mockup possam ser adicionadas ao design final: durante o design da versão de Beast Hunters do Optimus Prime, os designers fizeram um mockup das ombreiras com a cabeça de um Black Rhimos da linha Zoids, e o detalhe visual das cabeças de rinoceronte nos ombros ficou.

Certas empresas tem políticas mais detalhadas quanto a mockups: a LEGO testa cada proposta de modelo com peças aleatórias (o que é compreensível, dado o caráter modular de LEGO), e peças “específicas” são confeccionadas apenas após a aprovação do projeto.  A Onell Design, por sua vez, permite que designers usem peças pré-existentes do sistema Glyos em seus projetos, como forma de garantir que as partes novas sejam compatíveis com as anteriores.


Hardcopy em resina para um Megatron
com três formas - figura cancelada.
Munidos das artes conceituais e dos mockups, cabe a equipe de design arranjar como por o conceito em prática. Antigamente, o processo de fabricação das primeiras copias de teste era feito a mão. Hoje, essas cópias são muitas vezes modeladas em 3d, em programas como AutoCAD, Solidworks e Blender e finalizadas a mão..

A função desse processo é chegar a uma versão do design que seja funcional e garantir que nada “entre em conflito”. Ver se todas as peças encaixam, se os tamanhos estão certos, e outros detalhes de ordem estrutural do design em si. A Hasbro tem como testar os designs em 3d via impressão em Z-Corp Spectrum - mas isso não a isenta de ter que fazer testes posteriores, dada a diferença do material.


Esses primeiros protótipos (ou Hardcopies) tendem a ser feitos em resina ou outros materiais mais firmes e não passam por testes de segurança. No caso de linhas como a falecida Gobots e Transformers, não é raro que as primeiras cópias de teste sejam não transformáveis, apenas contando com as peças que servirão para transformar, mas sem ter os meios de mover da forma “A” para a forma “B”. Alguns desses protótipos acabam sendo exibidos em convenções, seja no cinza natural ou com pintura colocada à mão. Por causa disso, há de se lembrar que a figura exibida em feiras e convenções pode não ser a que chega no mercado, pois ela ainda tem que passar por várias versões provisórias, vulgo as:


Cópia de teste e Protótipos


Copia de testes da linha Chaos Effect
de Jurassic Park - encontrada no
ebay
O protótipo em resina serve de base para mais protótipos e suas peças servem de base para os primeiros moldes, dessa vez em qualquer que seja o material que será usado. São esses coitados que vão passar por testes de segurança, por avaliações de orçamento e que vão receber ou perder funções para adequá-los no orçamento. Embora os moldes não estejam finalizados, a divisão das peças em cartelas já é visível nesses protótipos e sua distribuição de cor.

A produção de protótipos segue até que se chegue a um “modelo pronto para a produção”, em que a engenharia esteja finalizada, e tudo esteja “dentro dos conformes”. E dentro do orçamento. Em alguns casos, os protótipos são muito mais complexos do que a versão final, pois funções acabam cortadas para encaixar no orçamento, ou para atender normas de segurança. Em outros, a produção acaba recebendo mais peças durante o desenvolvimento, para agregar valor (uma das causas da abundância de acessórios em G.I. Joe era isso: agregar valor em moldes muito similares).


Evolução do protótipo até a cópia final. 
Durante esta etapa, a equipe de produção trabalha também na confecção da embalagem, criando simulacros da embalagem final. Estes servem para definir como vão encaixotar o produto, e como será disposta a arte. Como essa arte é produzida a partir de protótipos decorados à mão, o resultado tende a ser diferente do que é realmente vendido. Algumas vezes o brinquedo de fato tem mais aplicações de tinta que o das fotos - mas normalmente, é o contrário.

até bichinhos de pelúcia passam por protótipos.



Confecção dos Moldes e planilhas de decoração


Figuras da linha ReAction feitas deliberadamente para
parecerem test shots - há mercado para velhos protótipos.
Testados os protótipos, verificada se a funcionalidade se mantém com o material final e checadas as normas de segurança, é chegada a grande hora: a confecção dos moldes finais (no qual o material será injetado para a produção em massa) e a produção de planilhas de decoração com a referência das cores de plástico, tinta, padrões de tecido e etc para serem usados. Enquanto os moldes dão a forma ao brinquedo, a decoração é o que dá a essa forma cor e profundidade visual. Um bom deco pode fazer um brinquedo parecer muito mais detalhado do que é - assim como pode sufocar detalhes moldados que se perdem em meio a cor.


Peças de um model kit de Gundam, ainda nas cartelas.
Os moldes são cortados em metal, com a forma exata das peças dos protótipos aprovados (os moldes para os protótipos, por sua vez, são feitos a partir das peças individuais das hardcopies). Dependendo do tamanho do brinquedos, várias peças podem ser feitas em um único molde, ou vários brinquedos podem dividir um molde (a isto é dado o nome de gang-molding, pratica muito comum em bonecos pequenos, por exemplo). O material do molde em si depende do que ele vai receber: moldes para Vinil não precisam ser tão resistentes quanto moldes para metal.


Como os moldes recebem material em altas temperaturas, a tendência é que esses moldes degradem com o uso, e que após um certo tempo, tiragens novas do mesmo molde se tornem mais “grosseiras”. Embora seja possível restaurar um molde, geralmente o custo para essa operação não compensa, especialmente para moldes muito velhos.

E falando de brinquedos mais velhos, alguns modelos não tem como ser relançados por que seus moldes foram perdidos ou estão danificados além do ponto de restauração. Esse foi o caso do tanque Mauler de G.I. Joe, de boa parte da linha Go-bots, e pode ter sido o caso de alguns Transfomers.


Exemplo de Deco-sheet.
As planilhas de decoração apontam as cores de plastico, as cores de tinta e quaisquer tampografias (estampas) ou adesivos a serem utilizados “saindo de fábrica”. Adesivos para aplicação pelo cliente não são referidos ainda. Essas aplicações de tinta são limitadas por dois fatores principais: orçamento e material. Alguns tipos de plástico não aderem bem a tinta, e portanto tem que ser deixados “nus”.Por outro lado, há um limite para o número de aplicações de tinta por modelo, dependendo da empresa, da linha e do produto. Partes em plástico translúcido, em particular, são grandes comedoras de orçamento, especialmente quando apenas uma pequena parte é para ser transparente. E é claro, certas aplicações de tinta não podem ser feitas por máquina.

E sua contra parte igualmente importante, a Sculpture Sheet



E finalmente, a produção.


Nem sempre o produto final bate com
os conceitos.
Tudo testado, tudo planejado, embalagens prontas e moldes checados,os brinquedos estão prontos para a produção. Os moldes são preenchidos com matéria prima, cortados para separar as peças (e é por isso que brinquedos “baratos” tem sobras de plástico), montados e devidamente decorados. Algumas amostras de cada lote são testadas para controle de qualidade e segurança mais profundo, enquanto o lote inteiro passa pelo “básico”(o que não impede algumas peças seriamente defeituosas de passarem), e o processo recomeça para a próxima coleção.

Eu disse a próxima? Eu quis dizer “a do próximo ano ou do outro”: em geral as etapas de design são feitas com dois ou três anos de antecedência, e protótipos “bons para a produção” são exibidos em feiras um ou dois anos antes. Na ausência de situações inesperadas (como o total fracasso ou um sucesso estrondoso), o design para o futuro próximo já está sendo feito - há um bom tempo.
Por ultimo, um exemplo de design individual para brinquedos de vinil - um processo um tanto diferente do que ocorre com produtos "industriais".

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